Os deuses orientais são representados quase sempre através de figuras em poses
graciosas, descrevendo gestos com as mãos ou mesmo com todo o corpo. Tais
gestos e posturas não são casuais e tem uma denominação especial, específica - mudras.
A palavra "mudra"
possui vários significados: gesto, posicionamento místico das mãos, símbolo,
selo, chave. Além de representar plasticamente certos estados ou processos de
consciência, os mudras podem também nos conduzir às dimensões que eles simbolizam.
Segundo a estudiosa Ingrid
Ramm-Bonwitt, provavelmente os mudras se originam na dança indiana, que é
considerada uma expressão da mais elevada religiosidade e nos revela uma
espécie de metafísica do gesto, uma linguagem do corpo na qual pensamentos e
sentimentos são expressos simbolicamente. O movimento de todo o corpo, a
postura da cabeça e do tronco, a posição dos braços e a modulação das mãos
assumem o lugar da palavra. Alegria, triunfo, solicitação do amor, saudade,
resignação, ira, medo, e assim por diante, ganham expressão através de gestos
estabelecidos (mudras) precisos. A presença dos mudras é tão significativas na
tradição indiana que um dançarino é capaz de expressar uma lenda por completo
apenas através das posições das mãos e dos movimentos dos olhos. Ao analisar as
figuras de seus deuses, podemos desvendar suas principais atribuições através
de seus gestos e posturas; para exemplificar, tomaremos as representações do
Buda indiano.
A arte budista primitiva não
representava plasticamente o Buda em respeito a um de seus princípios, segundo
o qual a forma - o mundo material - não era importante. Mas, em 325 a .C., os exércitos de
Alexandre Magno invadiram a Ásia, trazendo consigo os hábitos dos gregos, para
quem não era possível adorar um deus do qual não tivesse uma imagem. Envolvidos
pela cultura grega, os artistas da região Gandhara (ao Norte do Paquistão)
criaram Budas à imagem e semelhança dos Apolos gregos, respeitando porém,
alguns traços descritos nas escrituras sagradas, como a urna, os lóbulos longos
das orelhas e o crânio proeminente. A urna é representada por um ponto ou pedra
preciosa entre as sobrancelhas e simboliza o terceiro olho ou o olho da
sabedoria; os lóbulos alongados indicam o uso de brincos pesados e preciosos,
abandonados por Buda num gesto de renúncia às riquezas materiais; a
protuberância craniana, interpretada às vezes como um penteado diferente pela
cultura ocidental, simboliza sabedoria.
A partir da iconografia
recolhida sobre Gautama Buda, ficaram conhecidos seis (6) gestos típicos de
mãos na representação do Deus:
• Segundo a lenda, o gesto da
meditação (Dhyani-Mudrá) reproduz sua atitude quando, sentado, sob a árvore
bodhi (figueira - também conhecida como "árvore da meditação"),
mergulhou em profundo estado meditativo. As mãos repousam relaxadas, uma dentro
da outra, enquanto a consciência do presente é suspensa. Através desse mudrá,
Gautama Buda chegou ao nirvana, estado superior.
Os manuscritos relatam que ele conservou a postura por mais de quatro (4)
semanas, com o corpo completamente imóvel.
• O segundo mudra é conhecido
como gesto da iluminação ou gesto do apelo das testemunhas
(Bhumisparsha-Mudrá). A mão direita toca o solo com as pontas dos dedos,
enquanto as costas da esquerda repousam sobre os pés cruzados um sobre o outro.
Depois de atingir o nirvana, Buda teria sido tentado por Mara, o Deus do Mal,
que ofereceu suas belas filhas, o domínio sobre o mundo, e até mesmo sua
própria vida, para que pudesse experimentar também o nirvana. Ante as negativas
de Buda, tentou convencê-lo do quão difícil seria transmitir seus conhecimentos
à humanidade cheia de ignorância, ódio e desconfiança. Este apelo encheu de
dúvidas o coração de Buda, mas resistindo à tentação, ele se propôs a não matar
a fome de apenas um, e sim de todos - doravante atuaria como um mestre, para
que outros pudessem encontrar a salvação. Numa última tentativa, Mara
propôs-lhe que, como senhor de um mundo imaterial, Buda não teria direito
sequer ao pequeno pedaço de terra sobre o qual estivera sentado. Mas, por suas
boas ações em vidas anteriores, o mestre havia conquistado algum direito sobre
aquele terreno. Assim, tocando no solo com a mão direita ele convocou a terra
por testemunha; uma divindade se ergueu confirmando que ele havia cumprido com
seus deveres e tinha direito de permanecer na Terra para anunciar sua doutrina.
• O terceiro mudra é
conhecido como gesto de pregação ou gesto de girar a roda
(Dharma-chakra-Mudrá). As duas mãos se encontram erguidas diante do peito, a
esquerda acha-se voltada para o corpo, um pouco mais elevada que a direita, na
direção oposta. Os polegares e indicadores se tocam formando um circulo. O
gesto sugere que Buda, pela primeira vez, colocara em movimento a "roda da
doutrina", proferindo seu famoso discurso de Benares, no bosque das
gaselas, aos cinco díscipulos que o haviam abandonado.